quinta-feira

DEVENTRE

A ponta de um cigarro ilumina a completa escuridão. A luz de uma lua artificial entra pela janela. Um pigarro atrapalha por alguns milésimos de segundos a voz que quer falar. A dele fala, mas não cala a de Melissa. “Estava por aí!” – soltando um leve, porém, doce aroma. Os olhos assustados de Rodrigo parecem não acreditar na idade da menina. Logo depois, ele compreende o cheiro de rosas frescas.Uma leve cochilada. As buzinas e os freios dos frios automóveis despertam-no. Ele a examina com seu olhar bêbado-experiente. A menina adormecida ainda carrega um aroma fruto da estranha mistura rosas frescas, sangue, vodka, bala de melancia e algum suor. Ele levanta com a habilidade dos gatos, prepara um café e a convida. Ela sorri e diz que sim. Mal sabia ele o tanto que ela tinha a dizer.

FLUOXETINA

A mesma pele tão branca de tantas. As pernas finas. Os braços esguios. O corpo magro. O mesmo olhar pintado de preto, unhas vermelhas, feição delicada. Ele não podia deixar de se apaixonar.
E assim, troca de olhares bêbados, vodka no copo, “mais dois, por favor!”. Um beijo e outro e tantos. Serotonina a mil. Serotonina há mil.
Excitados, encostados no balcão do bar, ele pega delicadamente no queixo da menina, cuja identidade falsa e a maquiagem pesada permitiram a entrada naquele lugar, e com uma única palavra, um olhar de peixe morto, e bêbado, convence-a e a seduz. “Vamos!”
Sorriso tímido, “Você quer beber algo”, ela aceita, embriaguez que alimenta embriaguez. Ele a beija e viola seu corpo indevassável até então. Ela sangra um sangue da cor do esmalte, rubro, denso, dolorido.

terça-feira

Inverno

Sorriu quando se levantou do sofá. Pôs-se a dançar ao ritmo de uma banda dos anos setenta. Era uma de suas preferidas, e após o terceiro ou quarto drinque, tornava-se o maior fã de rock de todo o mundo.
Retirou o pequeno pacote do bolso e despejou três finas camadas de um pó branco sobre a mesa de centro, de vidro. Não sabia que andava se drogando. Não o questionei ou tampouco o reprimi. Naquela tarde, sabia que iria morrer um pouco, e experimentar mais um artifício em prol da instantânea alegria, não faria mal.
Sorriu, tomou seu canudinho improvisado e aspirou metade da primeira fileira com a narina esquerda. Pude ouvir o barulho seguido de um suspiro de satisfação. A outra metade, com a narina direita. Sorriu, novamente, e com um movimento de cabeça, mostrou que era a minha vez. Tentei copiá-lo. Inclinei-me diante da mesa, segurei o canudo. Levantei e sorri. Não retribuiu com outro. No entanto, percebi, novamente, o consentimento em sua expressão. Então, segura do que estaria a fazer dentro de poucos segundos, voltei à posição inicial e sorvi a primeira de tantas fileiras de cocaína de minha vida. Levantei os olhos, e não havia ninguém ali. Eufórica, com o coração disparado, fui para a segunda. Tudo ficou mais sensível. Ergui-me com um sorriso reticente. Dançando o rock dos anos setenta. Preenchida por uma felicidade esfuziante. O momento parecia eterno. O coração disparado.
Acordei às três da madrugada. “Que sonho estranho!”. Bocejava. O vento assobiava uma nova canção. Sabia que iria chover dentro de poucos minutos. Sempre tive medo de chuva. Os relâmpagos nunca me trouxeram boas recordações. Lembram minha infância de menina que se divertia sozinha em casa. Olhar pela janela por horas. Lembram daquela fase em que comecei a perceber que estava só. Sempre que chove, a mesma cena. Dez anos, do céu tombam gotas finas de uma chuva sofrida de inverno. Daquelas que duram horas, como lágrimas de sentimentos sofridos, incubados por muito tempo, reprimidos.
Embaço o vidro da janela com minha tranqüila respiração. Posso ouvi-la e nada mais. O relógio avança para além das três da madrugada. Fico ali. Em apenas mais um pensar em nada das frias madrugadas de julho. Eu e algum vento...