domingo

Pela Chuva Fina no Centro do Rio de Janeiro às Seis da Noite

Para Felipe Freire, com amor

Há alguns medos imbecis. Medo de escuro, de bicho-papão, do velho do saco. Fantasmas da infância tão conhecidos. Medo de ficar sozinho, de não amar, de não satisfazer. Medos maduros por assim dizer.

Defronte para um computador moderníssimo, 44 anos, funcionária pública, linhas de expressão bem definidas, poupança gorda e bunda ainda mais (ambas alimentadas ao longo de tantos anos), reflito sobre minha vida.

Vivo nesta casa há menos de cinco anos. Moro sob um teto de sonhos construídos tijolo por tijolo. Fio por fio. De cabelos brancos. Em minha companhia, alguns gatos, peixes que jazem no belíssimo aquário da sala principal, livros organizados por ordem alfabética na estante do escritório, poeira escondida, bens materiais de altíssimo valor.

Aqui, como se pode deduzir, não há barulho de música, crianças correndo, panelas, sorrisos, movimentação, zumbido da televisão que permanece durante horas num canal infantil.

Aqui, não há a espera das crianças que saem antes das sete da manhã e retornam da escola famintas e ansiosas pelo bife com batatas fritas, e saciadas pelas coisas aprendidas.

Aqui não há aquele que me faria companhia numa madrugada fria de inverno debaixo de uma colcha de lã para sob a mesma provocar gemidos abafados que despertariam a curiosidade dos vizinhos, que ao menor sinal de prazer alheio, apuram o sentido da audição a fim de identificar o menor ruído e se autocomiserarem sobre seus fracassos sexuais e sentimentais.

Adquiri, ao longo dos anos, hábitos. Tenho alguns amigos com os quais encho a cara eventualmente, sorrio sorrisos descartáveis, alimento emoções facilmente esquecidas após o dia seguinte, quando a ressaca permite. Faço alguns cursos nos quais me matriculo com o objetivo de aprender, qualquer coisa, mesmo que a julgue inútil e conhecer pessoas tão solitárias e socialmente consideradas esquisitas quanto eu.

Reflito e penso que vivo uma mistura de tristeza e felicidade. Olho ao meu redor, e percebo como tudo neste ambiente é tão perfeitamente organizado. Concluo que estou só quando em minha viagem anual para a Europa, de lá, não tenho para quem ligar, a fim de contar sobre aquilo que vi; quando no cinema, ao lado, vejo somente estranhos, com os quais não me atrevo a comentar a beleza dessa ou daquela cena; quando no teatro, arrepios, lágrimas e sorrisos são reprimidos; quando, ao meu redor, ao sofrer de dor, febre, solidão, percebo o que me tornei, alguém de quem não me orgulho.

Gostaria de acordar, mas é assim que me sinto diariamente. E me despeço. Embarco numa longa viagem, pra Paris, onde, num belo parque público, dezenas de iguais se entreolham e pensam no quanto estão sós...