quinta-feira

Esfaimado

Escurece e os olhos de Melissa brilham. Ainda mais. Horas e horas. Os ponteiros dos segundos do relógio de parede antigo já perfizeram o mesmo caminho milhares de vezes. Melissa levanta. O sutiã jaz num canto escuro e poeirento do quarto de Rodrigo. Os diálogos travados por Melissa e Rodrigo ficariam para sempre ali em segredo. “A noite vem vindo, tenho de ir...” O silêncio de Rodrigo que nada queria dizer, pois ele mesmo pensava que depois da ida de Melissa nada seria como antes, nada, nem mesmo o cigarro acendido na escuridão, nem mesmo o copo de vodka com refrigerante, nem mesmo o gelo que se desfaz dentro dele, lenta e progressivamente. Nem mesmo a fome que sentia. Nada seria como antes. O passado e a lembrança dele mostram como nada se repete. Nem mesmo um beijo. Nem mesmo um olhar. Nem mesmo os gemidos de Melissa. Silenciosos. Doloridos. Nada retornaria a ser. “A gente se vê”. “É, a gente se vê.”

segunda-feira

ENCOBERTOS

Melissa falava rápido. E revirava os olhos. Pretendia parecer algo que não era. Na verdade, ele também parecia algo que não era. Interrompiam suas frases desesperadas com alguns beijos desnecessários. Rodrigo não compreendia muito bem algumas de suas idéias de menina que se pretende alternativa, moderna demais. Melissa falava rápido. Rápido porque o tempo passava e ela tinha muito a contar.
Os dois compartilhavam segredos. Alguns, sórdidos. Outros nem tanto. Coisas que se sente aos 20, 30 ou 40 anos. Basta estar vivo. “Busco algum equilíbrio.” “Mas equilíbrio é morte, Rodrigo.” Rodrigo falava muito. E acendia um cigarro no outro. As xícaras se enchiam assim como o peito de Melissa ao suspirar, de tanto ouvi-lo. Ao pendurar a cabeça na cama de casal tão confortável, Melissa avistou seus sapatos, vermelhos e sujos, fruto da noite passada. Ela disse que precisava ir embora. Rodrigo a embalou numa cantada barata. Melissa ficou um pouco mais.
Palavras, palavras e mais palavras. Eles se entregaram um ao outro, verbal e corporeamente. Era algo insano e natural. Aquele quadrado branco fora sua testemunha. Os gemidos abafados de Melissa causavam certa estranheza em Rodrigo. Ele se esquecera do denso sangue, do esmalte vermelho, do mesmo rosto pálido, branco de tantas outras, e do discurso batido. Ao sexo fora concedido o silêncio. Por alguns instantes... Melissa havia gozado nos dedos de Rodrigo. Ele sentiu que tremia. De frio e de fome. A sede por palavras a levou a perfurar o silêncio. Muitos segredos seriam contados. Rodrigo, mesmo que impaciente, ouvia e tentava não transparecer a falta de saco que a idade lhe presenteou, naturalmente...