quinta-feira

Música para as Pontas dos Dedos



A melodia era suave.
A respiração, ofegante.
Seus dedos magros percorriam toda a extensão de meu braço direito. Leves arrepios duradouros se dissipavam de quando em quando. A insegurança de poucos encontros em olhares secos, fortes, certeiros.
A melodia era suave quão suave seria acariciar com as pontas dos dedos as nuvens de algum céu.
A melodia interminável.
O abafar no peito, alguma angústia nova. As mãos suavam frias, ansiosas, levemente apaixonadas. Na verdade, embriagadas.
O quarteto embalava um apanhado de sensações inesperadas. Dedilhava cordas com paixão, desejo, empáfia e uma excessiva sensibilidade imprescindível.
Naquele teatro, alguns cochilavam, outros acordavam. Eu saía um pouco de mim, mas retornava ao disparar das batidas, que ainda eram somente minhas, e ao desenrolar das peças, que iam e vinham como ondas que chegam altas e se desmancham em lembranças.
Eu não conseguia disfarçar que respirava de maneira seguramente apressada, assustada, tal como criança que fora pega no ato tomado como incorreto pela mãe.
E te olhar era tal como respirar: necessário, indispensável, delicioso.
A melodia agressiva.
O músico se confundia com seu instrumento. E era violentamente bela a forma como ele o segurava: ao mesmo tempo delicado, como se toca algo ao qual se quer muito bem; e agressivo, como se encara algo que há muito se deseja a ponto de já não saber os seus limites e os do outro.
E era como se sentir enlevado por uma melodia estranha, nova, cuja cadência, procedência, cheiro e cor não faziam a menor diferença. E era belo e tão distante dos sentimentos mesquinhos ultimamente experimentados aquele que ali se revelava. E era o silêncio há muito desejado.