sexta-feira

Prato do Dia

Para todos os visitantes curiosos e curiosos visitantes

Tinha nos lábios um batom com sabor de amora, duma tonalidade que combinava com o esmalte das unhas dos pés, cujos dedos redondos instigavam ao longe. Ela sorria um sorriso malicioso de quem sabe o que está por vir. Típico daqueles que sabem as cenas dos próximos capítulos. Era daquelas, daquelas que transpiram sexualidade.
Uma espécie de excitação crescente despertava os seus sentidos.
O coletivo que se afastava do subúrbio estava relativamente vazio. O suficiente para que ela, a santinha nos tempos do colégio de freiras, se permitisse a si algumas divagações eróticas. Ela morde os lábios. O vizinho do assento ao lado havia despertado com o celular, que berrava desesperadamente uma estridente canção.
Ela sorriu por causa do susto de seu vizinho de assento. Ao vê-lo assim, sobressaltado, recordou-se do sentimento que a tomava freqüentemente ao achar que num comentário de sua mãe estaria uma demonstração de que seu segredo havia sido descoberto.
Sua mãe comentava sobre as meninas do bairro, que se comportavam como vadias e isso a atormentava. Sua família acreditava na farsa criada de que trabalhava como recepcionista de um salão de cabeleireiros, em Copacabana. As unhas impecáveis e os cabelos sempre escovados corroboravam a mentira.
Continuava, sorria. Sabia o que estava por vir. Pensou, consigo mesma, sempre com o deboche nos lábios “Hoje é o dia do advogado-rico-bem-sucedido-filhinho-de-papai. Esse não come ninguém. Só quando paga. Mas até que ele...” O freio. Alguns gritos, palavrões. Na frente de seu ônibus, na mesma Avenida Brasil dos motéis baratos, onde a gorda com perfume Avon transara com o executivo jovem nem tão bem-sucedido, um acidente, uma cena corriqueira atravessava o caminho da jovem moradora do subúrbio carioca.
Um cochilo. Sonhos com cenas curtas, sobre as quais ela gostava de ficar pensando depois. Seu lado menina dizia “Vai, dorme um pouco mais. Pra poder sonhar...”.
Ela se sentia meio animal. Seu corpo era território do prazer alheio. Um prazer pago em algumas notas. Poucas, mas boas notas.
O que ela ensinava era de todos, todos sabiam fazer. As dificuldades levavam certas pessoas a procurarem por seus serviços. Ela vendia idéias. Das claras as obscuras, barrocas por assim dizer. Fingia ser algo que definitivamente não era. Ela não era somente uma. Ela era múltipla. A intelectual no ambiente acadêmico, pedante, mesquinho; a bondosa jovem no seio familiar, que se dedica à mãe como a si mesma; a puta, na cama, com estranhos quase sempre; a paciente no ponto de ônibus esperando a última viagem. E tantas outras que já havia encontrado em si e muitas que ainda encontraria. Efêmera, eterna e progressivamente...

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Vivi, obrigada pelo comentário. Saiba que o nosso espaço está aberto pras suas palavras (e pra você).

Sobre o seu blog, já tinha lido alguns textos e gostado muy!

Beso,