terça-feira

Monólogo Sob o Efeito de Morfina ao Som de Regina Spektor

Eu não sei onde você está. Acho que nunca soube. Aliás, tal informação nunca esteve sob o meu domínio. É verdade que em minha vida você é personagem recente. Mas nesta noite fria de sábado, a febre extraiu de mim aquilo que me sobrava de racional. Sou um ser passional a partir de agora. Demasiadamente...
Recordo-me da dor que senti no momento em que ouvia o motor rabiscando o meu pulso magro. Lentamente. Sons aspirados supirados. Suportei a dor naquela tarde quente do dezembro passado, porque sentia falta de alguma coisa quando observava esse espaço em branco, frágil. Mas, nesta madrugada longa, solitária, a dor é minha amiga. E inimiga também. E eu não suporto sentir dor...
Você, longe daqui, do outro lado da cidade, fecha os olhos, entoa canções conhecidas, outras desconhecidas – cujas letras você aprende na hora, empunha um copo com alguma bebida alcoólica e emana a todos uma impressão de poder, de total falta de decência, pudor, medo.
Aqui o cenário é totalmente oposto. As olheiras que saltam de meu rosto pálido denotam meu estado (excessivamente gripal) de desamparo, desassossego que culminam com a palavra que não quero pronunciar. Mas ela bate no um ouvido. Eu a afasto num movimento brusco, desesperado. Carência. Por que não está aqui bem perto, com seus suspiros longos, com seu andar desajeitado, com suas frases soltas, no bom e velho estilo citação que invadem uma conversa e confundem os interlocutores que dela tiram algum proveito quando conseguem entender seus motivos para relembrá-las? Às vezes não se pode responder.
Sábado à tarde, febre. À noite, igualmente. Lembrei de uma canção da adolescência, da Legião Urbana, em que o eu lírico se queixava de uma febre terçã, advinda de seu estado depressivo. Uma sessão de DVD’s tenta me enganar. Falta. As pessoas fazem falta. Mas a falta é minha ou delas? Sobre isso não se pode responder...
No meio da noite, no meio de uma crise de choro, fumo um cigarro numa atitude irresponsável. Tosse. Por alguns minutos... Chegando ao ponto de sentir meu rosto esquentar. Estou obcecada por saber por onde você anda. Pego o celular e disco o seu número. Começo a tremer quando percebo que você não me atende mais ao primeiro toque, conforme fazia há dois anos. Certas atitudes mudam, é bem verdade.
Você se atrasa, não me acaricia a batata da perna ao ver televisão, não sorri, desaparece nas noites de sábado. Desaparece. Não há surpresas. Surpreendidas situações. Incompreensão. Eu nunca sei quando vai ficar, quando vai sair. Já sai do banho perfumada, salto alto, cabelos arrumados. Não consigo mais.
Não quero enxergar o óbvio, e isso se torna tão claro. De baforada em baforada. E do sofrimento que delas sou vítima. Tudo chegou ao fim, a um estado que não tem mais. Tudo fugiu do controle. Então, me descontrolo e grito e choro. Um choro de dar nó. Na garganta, na cabeça. Eu não me entendo, não me atendo. Mas você atende ao telefone, que a essa altura devia estar berrando dentro da bolsa. Eu correspondo: berro ao telefone. Você não me entende. Eu não sei o que se passa. Entre lágrimas, soluços, baba, sangue e suor, me descontrolo. Não faço parte. Não mais. As minhas partes se foram de tudo o que há em ti. Já não são mais.
Respiro. Alívio na manhã seguinte. Não há mais mentiras. Disfarces. Pelo menos por enquanto, não mais.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tão passional. Ritmo diferente dos outros. Por que? Algum motivo em especial?