segunda-feira

Ao tragar de um novo cigarro



Ao som de “brazilian sun” nós nos olhamos por alguns minutos. O tempo parado com todos os seus sons. Amanhecia. A maquiagem dela estava borrada nos cantos dos olhos. Já não havia a artificialidade dos tons. Nem a música alta, nem a intransigência de muitos, nem o efeito do álcool.
Pouca luz. Do computador e das frestas que todo quarto possui.
Olhares. Sorriso de gente que não sabe o que fazer.
Pele. Palidez. Nó na garganta do engolir a seco a cada quantidade pequena de instante.
Lábios molhados. Mãos suadas. Nervosismo.
Um ar de consentimento toma conta do quarto mal-iluminado. Desabotôo a camiseta dela cujo cheiro de coisa nova e o perfume fortemente doce tomam conta de tudo. Meticulosidade botão a botão. Um respirar ofegante. Um aroma gostoso toma conta de nós dois. Encontro de peles. Tez contra tez. Barriga, peito, seios, pernas. Pele macia. Alta temperatura. Quase-febre. Olhares. Cada vez mais devoradores um do outro...
Nada de vozes. Nem a grave, nem a aguda. O silêncio cede espaço aos ofegantes ruídos que cada vez mais surgem com menor freqüência. Ruídos de quem, instintivamente, sabe o que fazer...
Dois corpos nus seriam apenas isso? Não há tempo para pensar. Acaricio as costas arrepiadas e macias dessa menina cujo corpo treme a cada passar de mãos, a cada possibilidade de uma nova sensação magicamente dolorosa como algumas das sensações que ainda não foram experimentadas.
Deslizo meus dedos magros pelo seu corpo, como os patins em uma pista de gelo intocada. Ela geme um gemido preso, porque meus pais não podem sequer desconfiar que ali descubro e exploro o corpo de uma menina.
Há horas compartilhamos do mesmo desejo, das mesmas luzes, de olhares igualmente tristes, do sabor do resto de álcool. Por longas horas...
Agora, compartilhamos dos nossos corpos, fluidos, dores, curiosidades.
Horas depois, ela se levanta, recoloca a roupa que minuciosamente eu havia decalcado de seu corpo e se vai. Espero revê-la. Mesmo que só possa admirá-la a dançar e dançar entre luzes artificiais, pessoas intransigentes, ruídos, cigarros sabor cereja, cores, gente artificial, batons, mãos suadas, maquiagem pesada, copos de bebidas destiladas, risos forçados...

Diálogo embriagado

No começo, beijos. Abraços eternos, olhares etéreos... Mas naquele dia:
“Você não vai me entender. Pois então tente explicar. É difícil pra mim... Conte-me! Tente! Eu não sou aquilo que você pensa. Eu tampouco... Não faço parte disso. Eu não quis dizer isso... Eu não quis participar disso. Eu sei. Sabe? Acho que sei. Tá vendo? Um emaranhado de dúvidas e incertezas. É normal. Você apareceu no momento... Errado? Tantas vezes essa frase... Acontece... Acontece? Por tanto tempo... Seria somente sexo? Talvez... Talvez? Isso é lá resposta que se dê? Mas é “talvez” mesmo! Olha, eu não te entendo... Você não entende a si, como pode querer entender os outros? Você tem razão... Me dá um beijo. Não sei, isso me faria sofrer amanhã. Amanhã? Ah, amanhã você vê o que faz... Vem aqui, me beija com toda aquela ferocidade do primeiro encontro de nossos lábios! Não consigo... O hoje é outro instante, diferente daquele. Eu já mudei aquilo que me constituía, sou outra. Única? Isso nunca! O que é hoje, então, tão diferente daquilo que já foi? Agressiva? Desanimada? Desarmada? Falta-lhe amor? Compaixão? Nada a declarar... Assim prefiro. Eu não consigo ser... Ser? Mas se fala comigo neste instante, já é algo que sabe ser. Não é isso. Estou reticente de mim mesma. Nós não conversamos sobre os rótulos... E eles realmente importam? Mas naquele dia do café... Foi só uma opinião sobre o filme... Não sei, havia algo no seu olhar. Algo? O de sempre. Desejo... Isso representa algum problema? Não, mas a questão que somente ele... Isso não é lá muito agradável! Você desaparece...”
E foi assim que, aos berros, se esvaiu mais uma quase história de amor.

terça-feira

Monólogo Sob o Efeito de Morfina ao Som de Regina Spektor

Eu não sei onde você está. Acho que nunca soube. Aliás, tal informação nunca esteve sob o meu domínio. É verdade que em minha vida você é personagem recente. Mas nesta noite fria de sábado, a febre extraiu de mim aquilo que me sobrava de racional. Sou um ser passional a partir de agora. Demasiadamente...
Recordo-me da dor que senti no momento em que ouvia o motor rabiscando o meu pulso magro. Lentamente. Sons aspirados supirados. Suportei a dor naquela tarde quente do dezembro passado, porque sentia falta de alguma coisa quando observava esse espaço em branco, frágil. Mas, nesta madrugada longa, solitária, a dor é minha amiga. E inimiga também. E eu não suporto sentir dor...
Você, longe daqui, do outro lado da cidade, fecha os olhos, entoa canções conhecidas, outras desconhecidas – cujas letras você aprende na hora, empunha um copo com alguma bebida alcoólica e emana a todos uma impressão de poder, de total falta de decência, pudor, medo.
Aqui o cenário é totalmente oposto. As olheiras que saltam de meu rosto pálido denotam meu estado (excessivamente gripal) de desamparo, desassossego que culminam com a palavra que não quero pronunciar. Mas ela bate no um ouvido. Eu a afasto num movimento brusco, desesperado. Carência. Por que não está aqui bem perto, com seus suspiros longos, com seu andar desajeitado, com suas frases soltas, no bom e velho estilo citação que invadem uma conversa e confundem os interlocutores que dela tiram algum proveito quando conseguem entender seus motivos para relembrá-las? Às vezes não se pode responder.
Sábado à tarde, febre. À noite, igualmente. Lembrei de uma canção da adolescência, da Legião Urbana, em que o eu lírico se queixava de uma febre terçã, advinda de seu estado depressivo. Uma sessão de DVD’s tenta me enganar. Falta. As pessoas fazem falta. Mas a falta é minha ou delas? Sobre isso não se pode responder...
No meio da noite, no meio de uma crise de choro, fumo um cigarro numa atitude irresponsável. Tosse. Por alguns minutos... Chegando ao ponto de sentir meu rosto esquentar. Estou obcecada por saber por onde você anda. Pego o celular e disco o seu número. Começo a tremer quando percebo que você não me atende mais ao primeiro toque, conforme fazia há dois anos. Certas atitudes mudam, é bem verdade.
Você se atrasa, não me acaricia a batata da perna ao ver televisão, não sorri, desaparece nas noites de sábado. Desaparece. Não há surpresas. Surpreendidas situações. Incompreensão. Eu nunca sei quando vai ficar, quando vai sair. Já sai do banho perfumada, salto alto, cabelos arrumados. Não consigo mais.
Não quero enxergar o óbvio, e isso se torna tão claro. De baforada em baforada. E do sofrimento que delas sou vítima. Tudo chegou ao fim, a um estado que não tem mais. Tudo fugiu do controle. Então, me descontrolo e grito e choro. Um choro de dar nó. Na garganta, na cabeça. Eu não me entendo, não me atendo. Mas você atende ao telefone, que a essa altura devia estar berrando dentro da bolsa. Eu correspondo: berro ao telefone. Você não me entende. Eu não sei o que se passa. Entre lágrimas, soluços, baba, sangue e suor, me descontrolo. Não faço parte. Não mais. As minhas partes se foram de tudo o que há em ti. Já não são mais.
Respiro. Alívio na manhã seguinte. Não há mais mentiras. Disfarces. Pelo menos por enquanto, não mais.